O Brasil consolidou-se como epicentro estratégico da economia do hidrogênio verde, impulsionado por investimentos substanciais de suas principais universidades e instituições de pesquisa. Entre 2023 e 2026, o país mobilizou mais de R$ 620 milhões em projetos acadêmicos focados em hidrogênio de baixa emissão de carbono, distribuídos por sete estados e envolvendo as principais universidades federais do país.
Essa transformação não ocorre isoladamente. Enquanto o setor industrial brasileiro já acumula R$ 188,7 bilhões em investimentos anunciados para projetos de hidrogênio verde, as universidades desempenham papel catalisador, desenvolvendo tecnologias proprietárias, formando capital humano especializado e validando rotas tecnológicas inovadoras que aproveitam vantagens competitivas nacionais.
Três projetos estruturantes definem a liderança científica
O Centro de Excelência em Hidrogênio e Tecnologias Energéticas Sustentáveis (CEHTES) da Universidade Federal de Goiás exemplifica a pesquisa fundamental multidisciplinar. Com investimento de R$ 24 milhões do governo estadual via Fapeg, o centro opera como hub de conhecimento organizado em oito linhas temáticas, desde produção de hidrogênio a partir de resíduos agroindustriais até estudos regulatórios e inteligência de mercado.
O Laboratório de Hidrogênio do Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI-USP) materializa aposta tecnológica sem precedentes. Com R$ 50 milhões em financiamento multipartite liderado pela Shell Brasil, representa a primeira planta experimental global dedicada à produção de hidrogênio renovável através da reforma catalítica de etanol. Essa rota tecnológica aproveita diretamente a infraestrutura consolidada da indústria sucroalcooleira brasileira, com capacidade de produzir 100 kg diários de hidrogênio.
A demonstração industrial em escala relevante materializa-se no projeto SENAI-Petrobras no Rio Grande do Norte. Com investimento de R$ 90 milhões, a planta-piloto de eletrólise PEM de 2 megawatts, alimentada exclusivamente por energia solar fotovoltaica ampliada de 1,1 MWp para 2,5 MWp, produz 30 quilos diários de hidrogênio e testa integração com gás natural, oferecendo caminho pragmático de transição energética.
Ecossistema complementar amplifica capacidade nacional
Além dos três projetos estruturantes, o Brasil desenvolveu rede integrada de centros especializados com características complementares. A Universidade Federal de Itajubá inaugurou em setembro de 2023 o primeiro Centro de Hidrogênio Verde (CH2V) brasileiro, com R$ 25 milhões de investimento alemão via GIZ. O centro dispõe de eletrolisador PEM de 300 kW com capacidade de 60 Nm³/h de hidrogênio verde e a primeira estação de abastecimento para veículos no país.
A COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro estruturou uma plataforma experimental multidisciplinar integrando quatro laboratórios especializados. A instalação desenvolveu demonstrações inovadoras como bicicletas híbridas elétrico-hidrogênio com 150 km de autonomia e pilhas a combustível de óxido sólido para geração estacionária, além de pesquisas sobre produção de hidrogênio a partir de energia eólica offshore em parceria com a TotalEnergies.
A Universidade Federal de Santa Catarina inaugurou em julho de 2025 o MultiLab, um laboratório multiusuário viabilizado por R$ 2,5 milhões via Fapesc. Desenvolvido dentro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Controle e Automação de Processos de Energia, o MultiLab cobre o ciclo integral do hidrogênio: produção, armazenamento e integração em redes energéticas.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo completa esse ecossistema com investimento de R$ 50 milhões da FINEP e da Secretaria de Ciência e Tecnologia estadual. Inaugurado em outubro de 2025, o LabH2-IPT dispõe de mil metros quadrados com pontos de abastecimento em 350 e 700 bar, compatíveis com automóveis, ônibus e caminhões, consolidando uma infraestrutura de validação industrial.
Financiamento multimodal viabiliza escala e continuidade
A sustentabilidade dos investimentos universitários depende de arquitetura financeira diversificada. No nível federal, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico mobilizou R$ 60 milhões para o Centro de Competência Embrapii em Hidrogênio, enquanto a Agência Nacional de Energia Elétrica aprovou R$ 196,2 milhões em projetos de integração ao setor elétrico.
As fundações estaduais emergiram como financiadoras estratégicas. A FAPESP mantém suporte ao RCGI-USP desde 2015, a Fapeg investiu R$ 24 milhões no CEHTES-UFG, e a Fapesc destinou R$ 111 milhões ao programa que financiou 23 laboratórios em Santa Catarina. A cooperação internacional, particularmente com a Alemanha através da GIZ, constituiu elemento catalisador essencial em projetos da UNIFEI e COPPE-UFRJ.
Perspectivas de mercado
A demanda global por hidrogênio atingiu 97 milhões de toneladas em 2023, com projeção de crescimento exponencial. O Brasil possui vantagens competitivas singulares: energia renovável de baixíssimo custo marginal, expertise em bioenergia e infraestrutura portuária estratégica para exportação.
O investimento universitário brasileiro em hidrogênio verde transcende alocação financeira convencional, representando aposta estratégica na consolidação do país como potência tecnológica em transição energética. O sucesso dessa trajetória dependerá da sustentação de financiamento multimodal, integração coordenada entre centros de excelência e desenvolvimento de ecossistema empreendedor de alta intensidade tecnológica.
