07/10/2025

Data centers e hidrogênio verde: A disputa por energia no ceará que redefine o futuro energético do Brasil

O Ceará emergiu como palco de uma transformação energética sem precedentes no cenário brasileiro. O estado nordestino concentra simultaneamente dois dos setores mais promissores da economia global — data centers de última geração e produção de hidrogênio verde — criando uma competição direta por recursos de energia renovável e capacidade de transmissão. Esta disputa revela não apenas os desafios da transição energética, mas também oportunidades estratégicas que podem posicionar o Brasil como protagonista no mercado global de tecnologia e energia limpa.

O epicentro da competição energética

A magnitude da disputa torna-se evidente nos números. Atualmente, 40 pedidos de acesso à rede elétrica para data centers tramitam no Brasil, totalizando 16 GW de demanda. Desse total, 2 GW concentram-se especificamente no Nordeste. Simultaneamente, o Ceará assinou mais de 40 memorandos de entendimento para projetos de hidrogênio verde, representando investimentos superiores a US$ 30 bilhões até 2031.

O projeto mais emblemático dessa nova economia digital é o data center da Casa dos Ventos em Caucaia, que abrigará servidores do TikTok. Com capacidade inicial de 300 MW e investimento de R$ 12 bilhões na construção física, o empreendimento receberá ainda R$ 38 bilhões dos clientes para aquisição de equipamentos. Este único projeto aumentará em 30% a capacidade nacional de processamento de dados — um salto extraordinário para a infraestrutura digital brasileira.

O consumo energético impressiona: o data center utilizará energia equivalente ao consumo de 2,2 milhões de brasileiros, empregando sistemas de resfriamento por ar-condicionado que, embora usem apenas 30m³ de água diariamente, disparam o consumo elétrico. Esta demanda coloca em perspectiva o desafio que o setor representa para a rede elétrica nacional.

Hidrogênio verde: A aposta estratégica do Ceará

Paralelamente à revolução digital, o Ceará consolida-se como líder nacional em hidrogênio verde. O projeto Brasil Fortescue, maior iniciativa do tipo em larga escala no país, prevê investimento de R$ 17,5 bilhões e capacidade de produção de 1,2 GW, com potencial de expansão para 2,1 GW. A empresa norueguesa Fuella AS compromete R$ 9 bilhões para uma planta com capacidade de 400 mil toneladas anuais de amônia verde, enquanto a francesa EDF firmou pré-contrato para produção no Complexo do Pecém.

Os estudos de impacto econômico projetam transformações substanciais: os investimentos em hidrogênio verde devem gerar incremento acumulado de 24,2% no PIB cearense durante o período de construção (2025-2032) e 8,2% adicional a partir da operação. Com esses acréscimos, o estado pode alcançar a posição de segundo maior PIB do Norte e Nordeste. Apenas o projeto Fortescue deve criar mais de 9 mil empregos diretos e indiretos.

O gargalo da transmissão: Desafio central

O principal ponto de tensão concentra-se na capacidade limitada da infraestrutura de transmissão. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já rejeitou diversos grandes projetos devido aos riscos de sobrecarga sistêmica. A situação torna-se particularmente crítica no Complexo do Pecém, onde ambos os setores buscam estabelecer operações.

Os números revelam a dimensão do desafio: os 9.311 km de linhas de transmissão que atendem todo o sistema nacional mostram-se insuficientes para a demanda crescente. Especialistas estimam a necessidade de pelo menos 15 mil km de novas linhas e 16 novas subestações até 2032, demandando investimento mínimo de R$ 50 bilhões. Em 2024, as perdas por curtailment — energia produzida mas não escoada — ultrapassaram R$ 2 bilhões.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) desenvolve estudos para incluir data centers no Plano Decenal de Expansão de Energia, reconhecendo que “a concorrência é real. Carga é carga em qualquer lugar do sistema”. Esta declaração oficial evidencia a complexidade do planejamento energético nacional diante das demandas concorrentes.

Vantagens competitivas estratégicas

Apesar dos desafios, o Ceará apresenta atributos únicos que justificam o interesse global. Fortaleza constitui o segundo principal ponto focal de cabos submarinos do mundo, atrás apenas do Japão, com 16 cabos conectando o estado aos mercados internacionais. A proximidade geográfica permite navegação de sete dias para os Estados Unidos e nove para a Europa.

Os recursos naturais complementam as vantagens logísticas: o estado possui o melhor recurso eólico do mundo, com ventos constantes, e 13 horas diárias de sol. Mais de 80% da energia provém de fontes renováveis, criando matriz energética diferenciada. O Porto do Pecém mantém parceria estratégica com o Porto de Roterdã, principal hub europeu de hidrogênio, estabelecendo corredor verde de ponta a ponta.

Soluções integradas: Da competição à complementaridade

Experiências internacionais sugerem caminhos para transformar competição em sinergia. Nos Estados Unidos, a ECL inaugurou o primeiro data center modular alimentado por hidrogênio em Mountain View, Califórnia. Na Holanda, a NorthC utiliza hidrogênio verde para backup em data centers. O hidrogênio oferece armazenamento energético em larga escala, operação dentro e fora da rede para maior resiliência, e alternativa limpa aos geradores diesel tradicionalmente usados como backup.

A complementaridade temporal apresenta oportunidades: hidrogênio pode fornecer energia quando renováveis não estão disponíveis, enquanto data centers podem consumir excedentes renováveis localmente, estabilizando a rede. Esta integração, combinada com sistemas de armazenamento por baterias (BESS), pode otimizar o aproveitamento dos recursos energéticos.

Marcos regulatórios e perspectivas

O arcabouço regulatório avança em ambas as frentes. A medida provisória Redata 2025 zera tributos federais para equipamentos de data centers que utilizem 100% de energia renovável. O Marco Legal do Hidrogênio (Lei 14.948/2024) regulamenta a produção de hidrogênio de baixa emissão, enquanto o Programa Nacional do Hidrogênio prevê subsídios de R$ 18,3 bilhões.

As projeções indicam que 2026 será decisivo, com primeiras decisões finais de investimento em sete projetos de hidrogênio verde totalizando R$ 63 bilhões. Simultaneamente, novos data centers devem somar investimentos similares. Até 2060, carros elétricos, data centers e hidrogênio podem consumir até 16% da energia brasileira, segundo estudos setoriais.

Conclusão: Transformando desafios em oportunidades

O Ceará posiciona-se para tornar-se hub global de energia limpa e infraestrutura digital. O sucesso dependerá da capacidade de transformar a atual competição em colaboração estratégica, superando gargalos de transmissão através de investimentos coordenados entre governo, setor privado e reguladores. Os R$ 21,7 bilhões contratados em 2024 para 4.471 km de linhas constituem passo essencial.

A integração entre data centers e hidrogênio verde pode maximizar benefícios econômicos, ambientais e sociais da transição energética. Com planejamento adequado, infraestrutura robusta e marcos regulatórios claros, o estado pode liderar uma revolução energética que posiciona o Brasil na vanguarda da economia global sustentável.

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