02/12/2025

O impacto da COP30 e do hidrogênio verde na descarbonização marítima brasileira

A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém, transcendeu as tradicionais negociações diplomáticas para se tornar uma vitrine tecnológica para o setor de energia e logística. Para o mercado B2B e o setor de infraestrutura, o evento consolidou uma tese clara: o hidrogênio verde (H2V) não é mais apenas uma promessa distante, mas uma solução aplicável e escalável para a descarbonização, com o setor marítimo liderando essa vanguarda.

O contexto é urgente e estratégico. O transporte marítimo global é responsável por aproximadamente 3% das emissões de dióxido de carbono — o equivalente a cerca de 1,2 gigatoneladas anuais. Diante das metas da Organização Marítima Internacional (IMO) de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050, as inovações apresentadas no Brasil sinalizam uma mudança estrutural nas cadeias de valor globais.

Inovação tecnológica e a prova de conceito em águas brasileiras

O destaque técnico da conferência foi a materialização da teoria em ativos operacionais. O Brasil apresentou o Explorer H1 (também referenciado como JAQ H1), a primeira embarcação do país equipada com sistema de células a combustível de hidrogênio, desenvolvida em parceria com a GWM Hydrogen-FTXT.

Para executivos que avaliam a maturidade dessa tecnologia, o cronograma de desenvolvimento do Explorer H1 oferece um planejamento de implementação gradual e segura:

  • Fase 1 (2025): Foco na operação de “hotelaria” da embarcação. Sistemas de iluminação, climatização, cozinha e entretenimento operam com emissão zero, utilizando a reação eletroquímica entre hidrogênio e oxigênio, cujo único subproduto é a água.
  • Fase 2 (2026): Implementação de propulsão híbrida. A combinação de 20% de hidrogênio com 80% de diesel em dois motores de alta eficiência projeta uma redução de até 80% nas emissões de gases nocivos, permitindo navegação pelos rios amazônicos com impacto reduzido.
  • Fase 3 (2027): Autossuficiência energética completa. O lançamento previsto do Explorer H2, uma embarcação de 50 metros, introduzirá a produção de hidrogênio a bordo via dessalinização da água do mar e eletrólise, fechando o ciclo de carbono zero.

Paralelamente, o projeto BotoH2, patrocinado pela Itaipu Binacional, demonstrou a versatilidade da tecnologia em menor escala. Com 9,5 metros, a embarcação integra células de combustível com painéis solares para operações logísticas de reciclagem nas ilhas de Belém, provando a viabilidade social e urbana do H2V além do transporte de passageiros de luxo.

Ambiente regulatório e incentivos financeiros para o setor

Para o investidor privado, a tecnologia só é viável mediante segurança jurídica e incentivos claros. A COP30 marcou um ponto de inflexão na regulação brasileira com a confirmação da assinatura do decreto que regulamenta as leis de hidrogênio ainda em 2025.

O anúncio mais impactante para o balanço das empresas do setor foi a liberação de R$ 18,3 bilhões em créditos fiscais até 2032. Este volume de recursos demonstra um compromisso estatal robusto para tornar o hidrogênio verde economicamente competitivo frente aos combustíveis fósseis.

O novo marco regulatório estabelece métricas técnicas precisas, definindo como hidrogênio de baixa emissão de carbono aquele que resulte em valor igual ou inferior a 7 kgCO2eq/kgH2. Essa definição fornece a previsibilidade necessária para o cálculo de retorno sobre investimento (ROI) em projetos de infraestrutura de longo prazo.

Adicionalmente, o Ministério de Portos e Aeroportos apresentou a Diretiva de Embarcações Sustentáveis e a Matriz de Avaliação de Requisitos de Embarcações Sustentáveis (M.A.R.E.S.). Este mecanismo cria um sistema de certificação voluntária que prioriza embarcações que utilizam combustíveis limpos — como hidrogênio verde, amônia e biometanol — em processos de afretamento, criando uma vantagem competitiva imediata para os early adopters.

Ecossistema de negócios e desenvolvimento de infraestrutura

A análise dos projetos revela que a transição energética não é um esforço solitário, mas um ecossistema colaborativo. O projeto de barcos a hidrogênio, que recebeu um investimento total de R$ 150 milhões, envolve stakeholders estratégicos como o Grupo Náutica e a JAQ Apoio Marítimo, ao lado da expertise técnica do Itaipu Parquetec e da tecnologia de células de combustível da GWM Hydrogen-FTXT.

A eficiência operacional é um fator determinante para esse investimento. As células a combustível a hidrogênio demonstram uma eficiência entre 48% a 62%, um salto qualitativo significativo quando comparado aos cerca de 30% de eficiência dos motores a combustão tradicionais.

Já o antigo problema da falta de postos de abastecimento começou a ser resolvido em várias regiões do país:

  • Norte: O projeto prevê a instalação de um posto de abastecimento de hidrogênio em Belém.
  • Sul: Foi formalizado o contrato para o primeiro posto de hidrogênio verde do Rio Grande do Sul, em Passo Fundo, com aporte de R$ 38,7 milhões.
  • Sudeste: Um Memorando de Entendimento (MoU) entre o Porto do Açu e a JAQ Apoio Marítimo prevê a chegada do Explorer H1 ao complexo portuário fluminense em 2026, ampliando o raio de atuação para o principal hub de óleo e gás do país.

Perspectivas futuras para a liderança brasileira

A COP30 revelou que o Brasil possui mais do que potencial natural; o país está construindo a governança e a engenharia necessárias para liderar a transição energética marítima. O Ministro Rui Costa destacou que o objetivo é ganhar escala e baratear custos, estendendo a tecnologia de navios de serviço para o transporte de massa. Líderes empresariais devem entender: a descarbonização deixou de ser apenas uma obrigação (compliance) para se tornar uma fonte de competitividade e atração de capital. Com regulamentações prontas, incentivos fiscais bilionários e a tecnologia já validada, a corrida pela liderança do hidrogênio no Atlântico Sul está em pleno curso.

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