18/11/2025

Governo brasileiro lança chamada pública de R$ 60 milhões para criar centro de pesquisa em hidrogênio de baixo carbono

A aposta estratégica do Brasil no hidrogênio verde

Em 22 de outubro de 2025, durante o 4º Congresso Brasileiro do Hidrogênio em Brasília, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) anunciaram uma chamada pública de R$ 60 milhões para o credenciamento de instituições que integrarão o Centro de Competência Embrapii em Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. Os recursos, provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), serão distribuídos ao longo de três anos e representam um marco na estratégia brasileira de reindustrialização verde.

Esta iniciativa transcende o investimento em pesquisa acadêmica. Trata-se da consolidação de um compromisso político e econômico que posiciona o Brasil como desenvolvedor de tecnologias inovadoras no setor de hidrogênio, e não apenas como usuário de soluções importadas. O movimento está alinhado ao Plano de Transformação Ecológica (Novo Brasil), conduzido pelo Ministério da Fazenda, e integra a Iniciativa Brasileira do Hidrogênio (IBH2).

Estrutura e funcionamento do Centro de Competência

O modelo proposto pela Embrapii aproxima a pesquisa acadêmica da aplicação industrial através de uma governança inovadora. A Embrapii conduzirá o edital, enquanto o MCTI, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Setec), supervisionará a implementação estratégica. Um comitê técnico composto por especialistas em energia e inovação realizará avaliações periódicas dos projetos desenvolvidos.

As instituições elegíveis são Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) públicas ou privadas, sem fins lucrativos, que demonstrem infraestrutura física adequada, histórico comprovado de relação com a indústria e experiência anterior na área de hidrogênio. Um diferencial importante é o requisito de comprometimento com o desenvolvimento de parcerias internacionais com instituições de pesquisa de ponta.

O prazo de inscrição se encerra em 24 de novembro de 2025, com resultado da seleção previsto para maio de 2026. Os recursos serão destinados à estruturação de laboratórios, contratação e capacitação de pesquisadores, e financiamento de projetos em parceria com o setor industrial.

Cinco eixos de pesquisa prioritários

O Centro de Competência estruturará suas atividades em cinco grandes áreas estratégicas:

  • Produção de hidrogênio de baixa emissão: O foco será o desenvolvimento de tecnologias para produção a partir de fontes sustentáveis, incluindo eletrólise alcalina (AEL), eletrólise PEM, eletrólise de óxido sólido (SOEC) e rotas por etanol e biomassa – aproveitando as vantagens competitivas únicas do Brasil. A eletrólise atual apresenta eficiência de 60-70%, com projeções de melhorias tecnológicas que podem elevar esses índices até 2030.
  • Armazenamento de hidrogênio: Soluções seguras e eficientes de estocagem são essenciais. O mercado global de armazenamento de hidrogênio deve crescer de US$ 18,78 bilhões em 2025 para US$ 34,56 bilhões até 2034, com taxa de crescimento anual composta de 7,01%. Desafios técnicos como a fragilização por hidrogênio em dutos requerem pesquisas contínuas sobre novos materiais.
  • Transporte e distribuição: O Brasil enfrenta desafios significativos, com malha de gasodutos concentrada em áreas costeiras e especificações técnicas inadequadas para hidrogênio puro. Além disso, 55% da extensão viária brasileira encontra-se em condições razoáveis, ruins ou muito ruins, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT).
  • Segurança: Protocolos, normatização e padrões de segurança são essenciais para viabilizar operações em escala industrial e conquistar a confiança de investidores internacionais.
  • Aplicações industriais estratégicas: Setores como siderurgia, cimento, fertilizantes, transportes, geração de energia elétrica e processos químicos são alvos prioritários para descarbonização.

Contexto global e posicionamento competitivo

O mercado global de hidrogênio deve expandir de US$ 229,53 bilhões em 2025 para US$ 353,52 bilhões em 2032, com taxa de crescimento anual de 6,36%. O hidrogênio verde, especificamente, apresenta a maior taxa de crescimento projetada: 15,33% ao ano, segundo a Fortune Business Insights.

O Brasil possui vantagens competitivas que nenhum outro país reúne simultaneamente: matriz energética 80% renovável, potencial técnico para produzir 1,8 gigatonelada de hidrogênio por ano com custos competitivos, e demanda industrial doméstica estabelecida. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o país possui o menor custo de produção entre potências mundiais.

A Europa, que precisará importar 50-70% de suas necessidades de hidrogênio, representa uma oportunidade estratégica. A Alemanha já destinou 270 milhões de euros para incentivar a indústria de hidrogênio em países parceiros, com expectativa de alavancar 1,3 bilhões de euros em investimento privado. A proximidade geográfica do Brasil à Europa (7.000 km versus distâncias maiores do Oriente Médio e Austrália) oferece vantagem logística adicional.

Projetos em desenvolvimento e potencial econômico

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) mapeou projetos totalizando R$ 188,7 bilhões em investimentos anunciados. Destaca-se a Unigel, em Camaçari (Bahia), com o maior projeto em construção no Brasil: investimento de US$ 1,5 bilhão e capacidade final de 100 mil toneladas anuais de hidrogênio verde até 2027, produzindo também 600 mil toneladas anuais de amônia verde.

No Ceará, projetos da Casa dos Ventos (US$ 8,4 bilhões) e Fortescue (R$ 20 bilhões) aguardam decisões finais de investimento. Ambos enfrentam desafios relacionados à disponibilidade de energia e conexão à rede de transmissão, evidenciando gargalos de infraestrutura que precisam ser endereçados.

O potencial econômico brasileiro é significativo. Projeções da McKinsey indicam que o mercado interno pode alcançar US$ 10-12 bilhões anuais até 2040, com volume de 7,2-9,1 milhões de toneladas. O mercado de exportação pode atingir US$ 4-6 bilhões adicionais. No cenário mais otimista, o Brasil poderia movimentar US$ 15-20 bilhões anuais até 2040, consolidando-se como produtor competitivo global.

Desafios e oportunidades

Apesar das vantagens competitivas, o Brasil enfrenta desafios estruturais. O custo atual de US$ 6/kg precisa cair para US$ 2/kg para viabilizar aplicações em setores como siderurgia (redução de 67% ainda necessária). A infraestrutura de transporte e armazenamento requer investimentos massivos, e custos logísticos podem triplicar o valor gasto em produção.

A expansão de renováveis deve acelerar de 4% para 7% ao ano. Até 2030, o Brasil precisaria adicionar 19-39 GW de capacidade renovável, entre 11-22% da capacidade atual. Até 2040, a necessidade salta para 129-178 GW adicionais.

Por outro lado, o país possui oportunidades únicas de agregação de valor: amônia verde para fertilizantes, metanol verde para indústria química, combustível de aviação sustentável (SAF), aço verde e biocombustíveis avançados integrando hidrogênio.

Conclusão: janela de oportunidade

O lançamento da chamada pública de R$ 60 milhões representa mais que investimento em pesquisa. É a consolidação do compromisso estratégico do Brasil em transformar-se no líder global de uma indústria que movimentará bilhões de dólares nas próximas décadas.

Com matriz energética incomparável, demanda doméstica estabelecida e potencial de exportação para mercados premium como Europa e Estados Unidos, o Brasil reúne condições que nenhum outro país possui simultaneamente. A janela de oportunidade está aberta. Os investimentos em pesquisa, infraestrutura e capacitação nos próximos cinco anos definirão se o país será dominante ou marginal na economia do hidrogênio verde do século XXI.

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