Em 21 de outubro de 2025, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) marcou um ponto de inflexão na trajetória do hidrogênio verde brasileiro. A aprovação de cinco projetos estratégicos, com investimento total de R$ 196,2 milhões provenientes do Programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI), sinaliza a transição definitiva de iniciativas laboratoriais para aplicações comerciais viáveis. Para empresas que atuam no setor energético e industrial, compreender as implicações dessa decisão regulatória tornou-se imperativo estratégico.
O processo seletivo e seus critérios
A deliberação da Aneel não foi imediata. Inicialmente, 13 projetos estavam sob análise, com perspectiva de investimentos da ordem de R$ 1,49 bilhão. O processo rigoroso resultou em seleção criteriosa: apenas cinco projetos foram aprovados, com redução de 87% no montante total de recursos. Essa escolha reflete preocupação com uso eficiente de recursos públicos, bancados pelos consumidores de energia, e priorização de iniciativas com maior potencial de validação técnica e replicabilidade comercial.
Os diretores Sandoval Feitosa e Fernando Mosna solicitaram vistas técnicas durante o processo, evidenciando o rigor analítico aplicado. Associações setoriais, incluindo a Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (Abihv), pressionaram pela aprovação, alertando sobre riscos aos cronogramas de projetos já selecionados. O resultado demonstra equilíbrio entre ambição tecnológica e responsabilidade fiscal.
Os cinco projetos aprovados
A Eletrobras lidera com investimento de R$ 109,3 milhões, o maior entre os aprovados. A empresa já operacionaliza desde dezembro de 2021 a primeira planta de hidrogênio verde certificada do Brasil, na Usina Hidrelétrica de Itumbiara (MG/GO), com produção acumulada superior a três toneladas. O novo projeto busca validar modelos de operação contínua e integração com redes de distribuição, consolidando a estatal como player-chave na cadeia de valor.
A Eneva direcionou R$ 18,9 milhões para aplicação específica na indústria de alimentos, segmento com emissões relevantes e demanda crescente por descarbonização. O foco em processos térmicos industriais (aquecimento direto e vapor) demonstra viabilidade de adoção em cadeias produtivas específicas, construindo demanda ancorada que permite modelar economias de escala.
O projeto da Petrobras, com R$ 8 milhões (redução de 96,6% da proposta original), integra eletrólise a refinaria para produção de hidrogênio de baixa emissão. O corte expressivo reflete priorização de aplicações já validadas versus expansão de escopo. Vale destacar que a estatal desenvolve paralelamente o projeto piloto de Alto Rodrigues (RN), com R$ 90 milhões em investimento próprio, previsto para iniciar operação no primeiro trimestre de 2026.
A CTG Brasil (Rio Paraná Energia) recebeu R$ 60 milhões para desenvolver planta direcionada ao setor de papel e celulose, com diferencial crítico: metodologia robusta de certificação e rastreabilidade. Esse projeto agrega dimensão frequentemente negligenciada, criando know-how aplicável a múltiplos setores e aumentando confiabilidade do produto brasileiro em mercados globais, especialmente diante do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) europeu.
O quinto projeto, denominado “Merchant”, com R$ 37,8 milhões, representa um modelo de produção descentralizada voltado ao mercado, onde hidrogênio é produzido para venda direta a off-takers industriais, não apenas para consumo interno.
Contexto regulatório: Segurança jurídica consolidada
A aprovação da Aneel foi precedida pela Lei nº 14.948/2024, sancionada em 2 de agosto de 2024, que instituiu a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. Este marco legal estabeleceu definição técnica rigorosa (hidrogênio produzido com fontes renováveis e emissão máxima de 7 kgCO2eq/kgH2) e criou o Regime Especial de Incentivos (Rehidro), oferecendo isenção de PIS/Pasep e Cofins por cinco anos (2025-2029).
Mais relevante para a segurança jurídica foi a aprovação do PLP 108/2024 pelo Senado Federal em outubro de 2025, integrando o Rehidro ao regime de incentivos fiscais pós-reforma tributária. Essa medida eliminou incerteza crítica que ameaçava projetos com horizonte 2028+, garantindo continuidade de R$ 18,3 bilhões em créditos fiscais via CSLL, distribuídos entre 2028 e 2032.
Vantagem competitiva brasileira e perspectivas
O Brasil reúne características únicas que o posicionam entre os três países mais competitivos globalmente para produção de hidrogênio verde. Com 84-92% da geração elétrica proveniente de fontes renováveis, o custo nivelado de produção (LCOH) varia entre US$ 2,94 e US$ 7,38/kg em 2025, com projeção de US$ 1,47-1,90/kg até 2030, um dos menores globalmente.
O pipeline brasileiro totaliza 111 projetos em desenvolvimento, distribuídos em 16 estados, com R$ 454 bilhões em investimentos anunciados. O Complexo do Pecém (CE) concentra US$ 17 bilhões, liderado por Fortescue (US$ 6 bi), Casa dos Ventos (US$ 6 bi) e Voltalia (US$ 3 bi). O ano de 2026 será crítico: expectativa de primeiras decisões finais de investimento (FID) de sete projetos, mobilizando R$ 63 bilhões em capitais.
Implicações para empresas B2B
A aprovação da Aneel cria oportunidades concretas para fornecedores de equipamentos, serviços de engenharia e consultorias especializadas. Os cinco projetos demandarão eletrolisadores, sistemas de compressão, armazenamento, instrumentação e integração de sistemas. Empresas que desenvolveram expertise em certificação, rastreabilidade e metodologias de descarbonização encontrarão demanda crescente.
O mercado brasileiro de hidrogênio verde está em transição de fase exploratória para comercial. Para empresas que buscam posicionamento estratégico, os próximos 18-24 meses serão decisivos. A validação técnica das plantas piloto entre 2027-2028 determinará a escala e velocidade da segunda onda de investimentos, prevista para 2028-2030.
