A indústria siderúrgica vive um momento de virada histórica. Responsável por cerca de 7% das emissões globais de CO₂, o setor enfrenta pressões cada vez maiores para reduzir sua pegada de carbono, especialmente diante da adoção de taxas de carbono pela União Europeia e de metas internacionais de neutralidade até 2050. Nesse cenário, o Brasil surge como um dos protagonistas de uma mudança capaz de redefinir as bases do mercado: a adoção do hidrogênio verde na produção de aço.
Com mais de 111 projetos anunciados e um volume de investimentos que já ultrapassa R$ 454 bilhões, o país reúne condições únicas para liderar a produção global de aço verde, explorando vantagens competitivas que poucos conseguem replicar.
O contexto da transformação industrial
A siderurgia nacional responde por cerca de 4% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e consome 6,2% de toda a energia do país. No processo convencional, cada tonelada de aço bruto gera de 1,8 a 2,0 toneladas de CO₂, resultado do uso intensivo de coque metalúrgico nos alto-fornos.
A urgência por alternativas de baixo carbono ganhou força com o Acordo de Paris. Estimativas indicam que serão necessários US$ 600 bilhões anuais, até 2050, para descarbonizar completamente a siderurgia mundial — abrindo espaço para quem desenvolver tecnologias limpas com competitividade.
As vantagens competitivas brasileiras
O Brasil dispõe de um conjunto raro de atributos que o colocam em posição estratégica para liderar essa transição.

Matriz energética renovável
O país conta com 88% a 90% de energia proveniente de fontes renováveis — hidráulica, solar e eólica — integradas pelo Sistema Interligado Nacional. O custo da eletricidade limpa varia entre US$ 30 e US$ 39/MWh, com expectativa de cair para menos de US$ 30/MWh até 2030.
Recursos naturais abundantes
Segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, o Brasil oferece minério de alta qualidade e baixo nível de impurezas. Além disso, dispõe de recursos hídricos em abundância para sustentar processos de eletrólise em larga escala. Hoje, 21,6% da produção nacional de aço já utiliza sucata, sinalizando experiência em rotas mais sustentáveis.
Localização estratégica
A proximidade de mercados como Europa e América do Norte, aliada a portos como Pecém, Suape, Açu e Parnaíba — e a incentivos das Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) — favorece a exportação de produtos siderúrgicos de baixo carbono.
Tecnologias em desenvolvimento
Redução direta com hidrogênio (H2-DRI)
Essa tecnologia substitui o coque pelo hidrogênio verde, cortando as emissões em até 98% e produzindo ferro esponja com qualidade superior. Cada planta H2-DRI demanda investimentos entre US$ 200 e US$ 300 milhões.
Eletrólise de óxido fundido (MOE)
Criada pela Boston Metal, essa inovação elimina o uso de hidrogênio, produzindo aço diretamente do minério via eletrólise. A primeira planta comercial deve entrar em operação entre 2026 e 2027, com potencial de impactar toda a cadeia produtiva.
Projetos e referências
Iniciativas no Brasil
A CSN recebeu R$ 102,8 milhões da Finep para desenvolver fornos de recozimento a hidrogênio verde, em parceria com o Senai CIMATEC. Já a ArcelorMittal Tubarão assinou um memorando com a EDP para avaliar a viabilidade de uma planta-piloto.
O Green Energy Park, no Piauí, deve se tornar a maior usina de hidrogênio verde do mundo, com capacidade de 400 mil toneladas de hidrogênio e 2,2 milhões de toneladas de amônia verde por ano — um investimento de R$ 27 bilhões.
Exemplos internacionais
Na Suécia, o projeto HYBRIT, parceria entre SSAB, LKAB e Vattenfall, já produziu ferro com propriedades 20% superiores ao convencional. A H2 Green Steel captou US$ 4,9 bilhões para erguer a primeira planta comercial de aço verde, com clientes como Mercedes-Benz, Porsche e Scania.
Marco regulatório e incentivos
A Lei 14.948/2024, o Marco Legal do Hidrogênio Verde, define o produto como aquele gerado por eletrólise com energia renovável, limitando as emissões a 7 kgCO₂eq/kgH₂ até 2030.
O programa REHIDRO oferece incentivos fiscais, como suspensão de PIS/COFINS na importação de equipamentos, com benefícios estimados em R$ 18,5 bilhões até 2032. O Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), criado em 2021 e regulamentado em 2024, articula esforços entre governo, empresas e instituições de pesquisa.
Oportunidades econômicas
Exportação
A Europa pretende importar 10 milhões de toneladas de hidrogênio verde até 2030, pagando cerca de US$ 3/kg. Nos EUA, o Inflation Reduction Act concede subsídio de até US$ 3/kg, ampliando a atratividade para exportadores brasileiros.
Empregos
As projeções indicam 177 mil empregos diretos e indiretos até 2050, sendo 40 mil especializados. O impacto no PIB pode alcançar R$ 15 bilhões em 2030, R$ 38 bilhões em 2040 e R$ 61,5 bilhões em 2050.
Desafios e caminhos
Barreiras
O hidrogênio verde ainda custa de duas a três vezes mais que combustíveis fósseis, precisando cair para cerca de US$ 2/kg para competir. Além disso, há dependência externa de tecnologia e a necessidade de investir US$ 200 bilhões em infraestrutura.

Estratégias
Escala produtiva, parcerias público-privadas, financiamento via títulos verdes e créditos de carbono, e programas robustos de capacitação técnica serão decisivos para superar essas barreiras.
Visão de longo prazo
Mais que uma mudança tecnológica, a adoção do hidrogênio verde pode reposicionar o Brasil como potência energética global. Com capacidade projetada de 1,8 gigatonelada por ano, o país tem condições de liderar as exportações mundiais, superando a produção de muitos países petrolíferos.
Para isso, será essencial coordenar esforços entre governo e setor privado, investir pesado em P&D, qualificar profissionais e estabelecer acordos estratégicos para transferência de tecnologia.
A oportunidade está posta, os recursos existem e o marco regulatório já está em vigor. O próximo passo é executar com visão de longo prazo para transformar potencial em liderança efetiva no aço verde.